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Gaming e Narcisismo: quando um gamer é narcisista? Psicanálise Aplicada

Em primeiro lugar, preciso dizer a você que está lendo este artigo que eu me considero um “gamer”(pessoa que joga jogos eletrônicos periodicamente). E não vejo nada de errado em querer se divertir no mundo de aventuras que nos oferece os jogos eletrônicos. O ponto aqui é saber quando passamos do ponto do agradável e positivo e entramos no território do narcisismo.

O mundo dos jogos eletrônicos, um ambiente virtual repleto de desafios, competições e interações sociais, tem despertado interesse crescente no âmbito da psicologia, especialmente no que diz respeito às possíveis conexões com traços narcisistas. Vamos explorar como o narcisismo pode se manifestar nesse cenário e como a psicanálise pode oferecer insights valiosos.

Narcisismo: Uma Breve Visão Geral

O narcisismo, conforme definido na psicanálise, é um fenômeno que abrange desde a fase normal do desenvolvimento infantil até formas patológicas. Na infância, é esperado que a criança concentre sua atenção em si mesma antes de desenvolver a capacidade de se relacionar com os outros. No entanto, quando esses traços se tornam excessivos e prejudiciais, podemos estar diante do narcisismo patológico.

O narcisismo, na teoria psicanalítica proposta por Sigmund Freud, é uma fase normal do desenvolvimento infantil. Nessa fase, a criança direciona seu amor e atenção para si mesma, antes de se voltar para os outros. O termo “narcisismo” deriva da mitologia grega, em que Narciso se apaixonou por sua própria imagem refletida na água.

Tipos de Narcisismo:

  1. Narcisismo Primário: Essa é a fase inicial do desenvolvimento, em que o bebê está centrado em suas próprias necessidades e desejos. O bebê vê a mãe como uma extensão de si mesmo, contribuindo para a formação do eu.
  2. Narcisismo Secundário: À medida que a criança cresce, ela desenvolve a capacidade de se relacionar com os outros. No entanto, traços narcisistas podem persistir, e o equilíbrio entre o amor próprio e a consideração pelos outros varia.
  3. Narcisismo Patológico: Quando os traços narcisistas se tornam extremos e prejudiciais, é considerado narcisismo patológico. Isso pode se manifestar como uma falta de empatia, exploração dos outros para atender às próprias necessidades e uma busca incessante por admiração. E há dentro do narcisismo patológico vários variantes, como o narcisismo perverso, narcisismo vulnerável entre outros. Além disso, muitos autores usam outras definições para diversas variações do narcisismo.

Conexões Entre Narcisismo e Gaming:

  1. Busca por Admiração: Muitos jogadores buscam reconhecimento e admiração dentro das comunidades de jogos. Isso pode ser comparado ao narcisismo no sentido de uma busca por validação externa e destaque.

    Falando um pouco mais sobre isso, quero comentar algo que infelizmente é muito comum. Um jogador quando está em um grupo de gamers, procura aumentar ou “maquiar” seus resultados nos games que ele joga, talvez afirmando ter jogado milhares de horas, ter explorado o game de todas as maneiras possíveis e ainda afirmar que a melhor forma de jogar o game é a forma que ele desenvolveu, sendo que segundo ele, quem não jogar como ele afirma ser a forma correta, com certeza é um “amador”. Quando alguém apresenta gravações de seus jogos, ele tenta diminuir o valor ou a relevância da gravação.

    Outra situação acontece quando em uma comunidade nas redes sociais, um gamer procura se intitular com nomes suntuosos, que tentem transformá-lo em praticamente uma entidade do mundo dos games.
  2. Autoimagem Idealizada: A criação de avatares personalizados e a busca por conquistas virtuais podem refletir a construção de uma autoimagem idealizada. Os jogadores podem usar o ambiente virtual para expressar características que desejariam ter na vida real. Esse é um ponto bem interessante. Se nas redes sociais se utiliza comumente fotos perfeitamente editadas para que a pessoa pareça muito mais atraente do que realmente talvez seja, no mundo dos games isso é levado a outro nível. Muitos avatares em games exibem imagens de poder, em alguns casos usando uma foto pessoal editada para parecer uma celebridade ou de certa forma endeusada.
  3. Empatia Reduzida: Em alguns casos, jogadores extremamente focados em suas próprias conquistas podem apresentar uma empatia reduzida em relação aos outros jogadores. Isso se alinha com o narcisismo patológico, que muitas vezes envolve uma falta de consideração pelos sentimentos alheios.
    Isso se evidencia principalmente em comunidades gamer. Existe praticamente uma obsessão em se mostrar os resultados de partidas vitoriosas (as que a pessoa perdeu jamais serão mostradas), muitas vezes, junto com o vídeo da gravação da gameplay, há palavras de desafio ou até de ataque aos adversários derrotados.

A Psicanálise e o Mundo dos Games:

Ao analisar a relação entre narcisismo e gaming, a psicanálise pode oferecer abordagens terapêuticas valiosas. O psicanalista pode explorar as motivações subjacentes por trás do comportamento do jogador, buscando compreender se os traços narcisistas são uma extensão de características mais profundas ou uma expressão temporária no ambiente virtual.

Afinal, é preciso saber a origem desse comportamento. Por que a pessoa faz isso? Será que ela tem problemas com sua autoestima e usa seus resultados no game para compensar esses sentimentos negativos? Teria ela passado por algum momento traumático em algum momento em sua vida, em que ela foi talvez humilhada ou atacada de outra forma? Será que essa pessoa cresceu sendo feita acreditar que ela é merecedora de veneração por parte das outras pessoas? Existem muitas possibilidades. Somente durante terapia podemos entender melhor a pessoa e principalmente ela poderá entender a si mesma.

Tratamento e Reflexão:

O tratamento do narcisismo no contexto dos jogos envolve a análise das dinâmicas pessoais do jogador, buscando entender como o mundo virtual pode influenciar a autoimagem e as interações sociais. A terapia psicanalítica pode auxiliar na promoção de uma compreensão mais equilibrada do eu, incentivando a empatia e o reconhecimento das necessidades dos outros jogadores.

É importante dizer que assim como para muitas outras coisas na vida, o excesso sempre é perigoso. Disfrutar de um game pode ser muito divertido, social e inclusive pode ajudar a desenvolver habilidades. Existem inclusive, estudos que comprovam que essa atividade pode contribuir para nossas capacidades cognitivas. Há outros estudos que mostram até que video-games podem promover melhorar cardíacas em adultos jovens.

Mas o excesso de tempo que uma pessoa passa jogando pode gerar problemas de vários tipos. Ela pode deixar de conviver com amigos e familia, pode deixar de cumprir compromissos importantes e se realmente se tornar vício, pode fazer com que a pessoa não se sinta bem se não jogar todos os dias.

Não seria correto dizer que jogar games eletrônicos faz com que alguém desenvolva algum tipo de narcisismo. Mas uma pessoa que já tenha traços narcisistas pode usar os games como um novo canal para expressar seu narcisismo.

Agora falando sobre o tratamento de uma pessoa narcisista. Isso pode ser uma missão muito difícil, pois de maneira geral, um narcisista jamais admite sua situação. Ao contrário, ao ser confrontado, ele costuma culpar a outros, o sistema, a comunidade, qualquer pessoa, menos ele. E como ele não acredita que precisa de terapia, ele geralmente não procura tratamento, já que em sua mente, ele não precisa.

Reconhecer sua situação é certamente o primeiro passo. Isso abre as portas para que um processo terapêutico possa acontecer. Durante a terapia, a pessoa irá descobrir os motivos que levaram ela a desenvolver certos comportamentos e isso a ajudará a tomar boas decisões em sua vida, inclusive para corrigir comportamentos que ela entenda que podem prejudicar ela e outras pessoas.

Em última análise, a relação entre narcisismo e gaming é complexa e multifacetada. Enquanto alguns jogadores podem expressar traços narcisistas de forma moderada e inofensiva, outros podem apresentar comportamentos mais preocupantes. A psicanálise oferece uma lente valiosa para entender essas dinâmicas e orientar o tratamento, promovendo um equilíbrio saudável entre a autoexpressão virtual e as relações sociais no mundo real.

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Fontes bibliográficas:

Rivero, T. S., Querino, E. H. G., & Starling-Alves, I. (2012). Videogame: seu impacto na atenção, percepção e funções executivas. Neuropsicologia Latinoamericana4(3).

Brito-Gomes, J. L. D., Perrier-Melo, R. J., Brito, A. D. F., & Costa, M. D. C. (2018). Videogames ativos promovem benefícios cardiovasculares em adultos jovens? Ensaio clínico randomizado. Revista Brasileira de Ciências do Esporte40(1), 62-69.

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