A Psicanálise está sob ataque? Se sim, de quem? Logo de início, quero dizer para você que este artigo é mais dirigido a estudantes e colegas psicanalistas. Mas certamente você, que tem interesse na Psicanálise, irá se interessar pelo tema.
Eu tenho percebido um comportamento que chega a ser paranoico por parte de alguns psicanalistas enquanto aos ataques sofridos pela Psicanálise. Então, antes de falar sobre essa paranoia, quero comentar brevemente o motivo dela.
A Psicanálise nasceu sob ataque
Isso pode até ser um pouco surpreendente para quem não é estudante de Psicanálise, mas infelizmente, desde que o Dr. Freud começou a colocar seus pacientes em um divã, essa disciplina sofreu todo tipo de ataque. De charlatanismo a pseudociência, esses ataques iniciaram na criação da técnica psicanalítica e persiste até os dias de hoje.
Freud, diversas ocasiões, teve que defender sua técnica. Existe ampla bibliografia sobre isso. Embora alguns críticos argumentem que a psicanálise é excessivamente teórica e subjetiva, é importante ressaltar que a prática clínica da psicanálise tem sido refinada e adaptada ao longo dos anos. A formação dos psicanalistas envolve um treinamento rigoroso, supervisionado e baseado em evidências, que visa desenvolver habilidades clínicas sólidas e uma compreensão profunda da teoria psicanalítica.
Além disso, a eficácia da psicanálise não pode ser avaliada apenas por meio de métodos quantitativos, como estudos controlados randomizados. A natureza intrincada e individualizada do processo terapêutico psicanalítico requer uma abordagem qualitativa, onde o foco está no significado pessoal atribuído pelo paciente à sua experiência terapêutica. Por esse motivo, métodos tradicionais de análise científica nem sempre se aplicam à Psicanálise.
E por essa razão principal, há muitos psicanalistas que, seguindo o exemplo de Freud, são dedicados a defender a técnica psicanalítica.
Técnica Psicanalítica: equilíbrio é necessário
O problema de se estar constantemente em modo “defesa” é a falta de equilíbrio. Tenho observado que há profissionais que, na busca da defesa da Psicanálise, acabam exagerando a dose e com isso quase desenvolvem uma mania de perseguição para paranoico nenhum colocar defeito.
Esses profissionais acreditam que possivelmente “todos” estão em constante ataque à Psicanálise. Dizem que a Psicologia (já falo dela), a medicina e até mesmo a CIÊNCIA como um todo são inimigos da Psicanálise. Isso mesmo!
Aqui, vou falar um pouco sobre esses tais ataques, claro, sob minha visão. Primeiro, vamos falar sobre a Psicologia. Se você for, nesse momento, fazer uma breve pesquisa nas redes sociais, tenho certeza de que vai encontrar vários posts criticando e até mesmo ridicularizando a Psicanálise. A maioria das críticas carece de conhecimentos mínimos sobre a Psicanálise, usando ideias superficiais e até mesmo vagas em alguns casos.
“Curiosamente”, em diversas ocasiões o Conselho Federal de Psicologia, órgão federal responsável por regulamentar o exercício da Psicologia no Brasil, tentou restringir a prática da Psicanálise para Psicólogos, algo que vai totalmente contra o conceito de “Psicanálise leiga” que foi defendida por Freud. Se você pesquisar projetos de lei, vai encontrar tanto propostas de psicólogos quanto iniciativas do CFP de fazer isso. Eu mesmo conheço pessoas que foram processadas juridicamente pelo CFP por ensinarem a Psicanálise sem serem psicólogos! Houve tentativas diversas de que a Psicanálise fosse “prática exclusiva de psicólogos”. A propósito, nesse embate jurídico que comentei agora, o CFP perdeu vergonhosamente, o que obviamente fortaleceu o bom exercício da Psicanálise.
Então, apesar de que hoje em dia, você encontra escritos em que o CFP diz claramente que a Psicanálise NÃO É prática exclusiva de psicólogos, num passado bem recente, a briga era muito pesada. Acredito ainda existir, de maneira mais ou menos velada.
Por isso, é entendível que um psicanalista queira se defender desses ataques absurdos. Mas antes de concluir meu raciocínio, vou comentar outros pontos e aí dar um fechamento geral.
Medicina. Bem, os primeiros atacantes da Psicanálise foram os médicos. Principalmente porque no início da Psicanálise, a Psicologia era algo ainda muito “laboratorial” e não clínica, quem primeiro de opôs à Psicanálise foi a classe médica.
Por esse motivo que Freud dedicou muitos textos aos médicos. As técnicas da Psicanálise eram muito diferentes dos conceitos que havia à época de sua criação. E, curiosamente, depois de bem estabelecida, a classe médica também tentou fazer com que a Psicanálise fosse uma prática da Medicina. Theodor Reik, amigo de Freud, foi acusado de charlatanismo por exercer a Psicanálise sem ser médico, fazendo com que Freud o defendesse. Reik foi absolvido da acusação e o assunto ficou “mais ou menos” claro sobre isso. Atualmente, o Conselho Federal de Medicina, órgão regulador da Medicina no Brasil, reconhece que qualquer pessoa que tenha feito um curso de formação em alguma escola psicanalítica pode exercer a atividade sem problemas.
Ciência. Muito triste incluir esse ponto aqui. Obviamente, graças aos estudos científicos, nós hoje temos acesso a tratamentos médicos mais eficazes, conhecemos melhor como funciona o corpo humano e muito mais. Porém, existe uma tendência ao que tem sido conhecido como “cientificismo”.
O cientificismo é uma perspectiva filosófica que atribui um valor absoluto e exclusivo à ciência como o único meio legítimo de conhecimento e compreensão do mundo. Ele sustenta que a ciência é a única forma válida de investigação e que somente as afirmações cientificamente comprovadas devem ser consideradas verdadeiras.
O cientificismo tende a desvalorizar ou negar a validade de outras formas de conhecimento, como a filosofia, a religião, a arte, a experiência subjetiva ou qualquer disciplina que não possa ser submetida a métodos científicos rigorosos. Ele argumenta que apenas a ciência, com sua abordagem empírica e baseada em evidências, pode fornecer uma compreensão confiável e objetiva do mundo.
Em outras palavras, há pessoas que atuam diretamente com a ciência, que acabam por não considerar o subjetivo, que certamente não pode ser medido num “teste de duplo cego”.
A paranoia da defesa da Psicanálise
Graças aos fatores que comentei, há profissionais que praticamente fizeram de sua vida uma luta contra os ataques que a Psicanálise sobre. Até aí, como você pode ver, é de se entender que um psicanalista queira se defender de ataques. Certo?
Mas aí temos também o problema. Com o tempo, a defesa se transforma em ataque. Há o pensamento de que “todos” estão perseguindo a Psicanálise e têm objetivos obscuros por trás desses ataques. Por exemplo, tenho escutado coisas como:
Psicologia: que a Psicologia “existe” para moldar as pessoas a um mesmo padrão. Muitos chegam a dizer que essa moldagem seria para “beneficiar o capitalismo”. No entanto, quem estuda Psicologia sabe que nenhuma abordagem da Psicologia “molda” o pensamento das pessoas. Simplesmente, há abordagens diversas, diferentes entre si, dentro da Psicologia. E nenhuma delas se propõe a tal “moldagem”. Fico triste de saber que em alguns casos, pessoas que são bons profissionais acreditam nessas teorias da conspiração.
É bom comentar que a Psicanálise NÃO É uma abordagem política, nem dá apoio a nenhuma ideologia política ou de visão de mundo. Se você vir um psicanalista falando em assuntos de ideologia política, saiba que isso é algo próprio DELA ou DELE e não da Psicanálise.
Com isso, quero deixar claro aqui que a Psicanálise não é a única abordagem psicoterapêutica que é eficaz. Há diversas abordagens e técnicas que são igualmente boas e confiáveis. Um psicanalista que se fecha mentalmente e pensa que somente a Psicanálise funciona precisa rever seus conceitos. Como profissional da Psicanálise, claro que defendo a Psicanálise, é minha abordagem. Porém, sei como são úteis outras abordagens também. Além disso, há casos em que uma pessoa precise de ser atendida por outros profissionais, além do psicanalista. E não há nada de errado com isso. Por favor, não demonize a Psicologia!
Medicina: pelo fato do passado em que os médicos “brigavam” com psicanalistas, até hoje há algum sentimento ruim entre alguns desses profissionais entre si. De maneira parecida, há psicanalistas que afirmam que a Medicina “se vendeu” aos interesses do “capital” e por isso nem é digna de confiança. Esse pensamento, motivado por ideologia política, pode fazer com que outras pessoas deixem de fazer um tratamento importante de saúde. Em todas as atividades profissionais, há profissionais bons e ruins. A Medicina em si, não é ruim, de maneira alguma.
Ciência: como comentei antes, o problema não é a Ciência e sim a tendência do cientificismo, que ignora a subjetividade. Mas nem por isso iremos ignorar descobertas científicas, incluindo as que se referem à mente humana e ao comportamento humano. Muitas coisas foram descobertas sobre a mente e dizer que isso é falso e acusar de cientificismo é no mínimo, covarde. O cientificismo entra quando se quer usar métodos tradicionais para analisar coisas subjetivas. Simplesmente não vai funcionar.
Mas, quando há estudos sérios, não devemos ignorá-los e acusá-los de inválidos.
No afã de defender a Psicanálise, profissionais acreditam que todas as outras abordagens terapêuticas estão contra a Psicanálise. Numa mania de perseguição, obsessiva, eles tratam de atacar todas elas como sendo “do mal” e inimigas. E, em alguns casos, essas pessoas incluem como motivos, suas motivações ideológicas políticas e visões de mundo como maneiras de explicar o suposto motivo de elas verem a Psicologia, a Medicina e a Ciência como inimigas da Psicanálise. Uma enorme falácia!
A Psicanálise pode e vive tranquilamente com a Psicologia, Medicina e Ciência. Psicólogos podem trabalhar em conjunto com psicanalistas em projetos e até mesmo atendendo a pacientes, sem nenhum problema. Eu mesmo tenho pacientes que se atendem comigo e com um psicólogo. A Medicina é algo que igualmente pode trabalhar junto aos psicanalistas. Muitos médicos podem atender em conjunto com psicanalistas. E a Ciência? A cada dia, aparecem estudos sérios que dão apoio para os fundamentos da Psicanálise.
Além disso, a Psicanálise caminha no sentido da modernização. Cada vez mais, conceitos são modernizados, melhor entendidos e aplicados. Nós não vivemos da mesma forma que vivíamos no século XIX, quando a Psicanálise nasceu. O tempo passou, o cenário mundial mudou, a visão de mundo das pessoas tem mudado. E a Psicanálise tem se atualizado.
Como psicanalista, defendo sim, a Psicanálise. Mas, não creio que outras disciplinas sejam inimigas ou coisas do tipo. E nem pretendo atacar essas disciplinas, para me defender ou defender a Psicanálise.
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Artigo interessante em defesa da Psicanálise, do Prof. Dr. Christian Dunker: Nove erros básicos de quem quer fazer uma crítica à psicanálise (psicologia.pt)
Documentos importantes com pontos de vista do Conselho Federal de Medicina e de Psicologia, sobre a atividade dos psicanalistas: Documentos Importantes – ABP Associação Brasileira de Psicanálise (abpsicanalise.org)