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A Psicanálise “morreu”? Sobre a força da Psicanálise

Será que a Psicanálise está morrendo ou já morreu?

Acredito que desde sempre, as pessoas gostam de anunciar a “morte” tanto de pessoas como de ideias, coisas, ferramentas, etc. O Silvio Santos, por exemplo, que faleceu recentemente. Quem acompanha as redes sociais sabe a enorme quantidade de vezes que a morte dele foi anunciada, tanto em sites caça-visualizações, como em postagens de fofocas, por vários anos, antes da morte dele. Quem trabalha com marketing por exemplo, já deve ter visto pessoas publicarem, principalmente em redes sociais, que o “e-mail morreu”, ou que “websites morreram”. Claro, essas pessoas que anunciam a morte dessas ferramentas geralmente fazem isso porque querem te vender a ferramenta delas.

Algo que observo nesses “matadores” de coisas e pessoas é que sempre que eles querem “matar” algo ou alguém é com um objetivo secundário: o que ganhar algo com isso. O pessoal de sites de fofoca duvidosos como comentei, estão sempre criando manchetes dando a entender que uma pessoa famosa morreu, com o interesse que receber visualizações. Esses sites recebem dinheiro quando pessoas clicam em anúncios que exibem, portanto precisam receber muitas visualizações. Já outros anunciam a “morte” de alguma ferramenta para poder vender outra no lugar. O interesse sempre é ganhar algo!

E o mesmo acontece, já por mais de um século, com a Psicanálise. A princípio, médicos eram contra a Psicanálise (muitos dos quais tratavam transtornos mentais de maneiras extremamente cruéis ). Depois, quando surgiram os primeiros Psicólogos Clínicos, as críticas continuaram, pois agora eles também viam a Psicanálise como uma concorrência à Psicologia. Está parecendo estranho para você ler esse parágrafo? Bem, vale lembrar que quando Freud e seus alunos já atendiam pessoas em seus divãs, os psicólogos se concentravam em trabalhar em laboratórios. E sim, desde o princípio, Psicanálise e Psicologia eram vistas como sendo disciplinas distintas. Dessa forma, primeiro os médicos e depois psicólogos começaram a atacar a Psicanálise. Mas, claro, havia um ganho escondido por detrás disso (como geralmente há).

Especialmente nos anos 40, várias abordagens foram criadas, curiosamente (mas nem tanto), por ex-psicanalistas que buscavam afirmar pontos que eles acreditavam ser de maior importante em uma psicoterapia. E cada um quer seu “lugar ao sol” não é mesmo? Aí, nos anos 1990, inspirado no movimento da “Medicina baseada em Evidências”, surge o movimento das “Práticas Baseadas em Evidências”, conhecida como PBE, que cada vez mais tem dominado as abordagens psicológicas. E claro, o ataque à Psicanálise veio com tudo junto com esse movimento.

Por que o movimento PBE costuma atacar tanto a Psicanálise?

O objeto de estudo da Psicanálise é o inconsciente das pessoas. Consideramos que cada pessoa é uma subjetividade. Do ponto de vista da psicanálise, subjetividade refere-se à forma única e pessoal com que cada indivíduo vivencia o mundo, a si mesmo e os outros. Ela envolve as emoções, os desejos, os pensamentos e as experiências internas que são construídos ao longo da vida. A subjetividade é formada por fatores inconscientes, como traumas, fantasias, desejos reprimidos e identificações com figuras parentais, além das influências culturais e sociais.

terapia de casal

Para Sigmund Freud, o inconsciente é central na formação da subjetividade. Grande parte da nossa vida psíquica acontece fora da consciência, e são esses elementos inconscientes que moldam a forma como percebemos e respondemos ao mundo. A subjetividade, portanto, é um campo dinâmico e em constante construção, onde conflitos internos, como os entre os impulsos do id (instintos) e as demandas do superego (normas sociais), desempenham um papel importante.

Jacques Lacan, um dos psicanalistas mais influentes após Freud, expandiu essa ideia ao afirmar que a subjetividade é construída pela linguagem e pelos relacionamentos com os outros, em particular pela forma como nos vemos refletidos no desejo do outro. Lacan introduz o conceito de “sujeito dividido”, que sugere que o sujeito nunca tem acesso completo à sua própria subjetividade, pois há sempre algo que escapa à compreensão consciente.

O ponto aqui é: não há um meio para se medir a subjetividade das pessoas, nem mesmo de medir o inconsciente (tarefa que a neurociência tem assumido recentemente). Uma das críticas mais frequentes à PBE é que o foco nas intervenções que podem ser testadas empiricamente reduz a complexidade dos problemas clínicos reais. Os ensaios clínicos controlados randomizados (RCTs), muitas vezes considerados o padrão-ouro nas PBE, ocorrem em condições altamente controladas, que não refletem a realidade dos contextos clínicos cotidianos, onde os pacientes podem ter múltiplos transtornos ou situações de vida complexas (Westen, Novotny, & Thompson-Brenner, 2004).

Outra crítica comum é que as PBE favorecem abordagens que são mais facilmente mensuráveis, como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), em detrimento de outras abordagens como a psicanálise ou a terapia humanista. Isso cria um viés no campo da psicoterapia, levando à marginalização de intervenções igualmente eficazes, mas que não se enquadram tão bem nos critérios metodológicos preferidos pela PBE (Leichsenring & Rabung, 2011).

Agora, talvez você esteja vendo o motivo pelo qual muitos profissionais da PBE odeiam a Psicanálise. A Psicanálise não vê o psiquismo humano como uma máquina que pode ser ajustada. Uma visão meramente biológica de algo que tem a ver com a psique humana é algo que psicanalistas deploram completamente. Pelo outro lado, os adeptos da PBE atacam a Psicanálise justamente por causa disso.

A Psicanálise está morrendo?

No Brasil, podemos dizer que, de uma forma ou de outra, é todo o contrário. Além de inúmeras escolas que oferecem cursos de Psicanálise, Associações e outras entidades de classe defendendo a prática psicanalítica, cada vez mais há Universidades oferecendo cursos de Bacharel em Psicanálise, que, apesar de haver muita polêmica sobre isso, ao mesmo tempo dá ainda mais notoriedade à Psicanálise.

E fora do Brasil?

A psicanálise continua a ser ensinada e estudada em diversas universidades e institutos renomados ao redor do mundo, tanto como uma abordagem psicoterapêutica quanto como um campo de pesquisa teórica. A seguir, menciono algumas das universidades e institutos mais importantes:

Universidades e Institutos na Europa

  1. Universidade de Paris (França) – A Sorbonne oferece programas avançados de psicanálise, inclusive doutorados e pesquisas. A França, em particular, mantém um forte legado psicanalítico influenciado por pensadores como Jacques Lacan.
  2. Universidade de Viena (Áustria) – A cidade de Viena, berço da psicanálise com Sigmund Freud, é um centro global para o estudo da psicanálise. A Universidade de Viena possui programas de pós-graduação focados na teoria freudiana.
  3. University College London (UCL) – Reino Unido – A UCL é um importante centro de ensino psicanalítico na Inglaterra. O programa de Psychoanalytic Studies é realizado em parceria com o Instituto de Psicanálise de Londres.
  4. Universidade de Essex (Reino Unido) – A Essex oferece um programa de mestrado e doutorado em Psicanálise e Psicoterapia Psicanalítica, em colaboração com o Tavistock and Portman NHS Foundation Trust.
  5. Centro de Estudos Freudianos de Turim (Itália) – Este centro é um exemplo de instituições na Itália que continuam a fomentar o ensino e a pesquisa em psicanálise, especialmente ligadas ao pensamento lacaniano.

Institutos e Universidades nos Estados Unidos

  1. Columbia University (EUA) – O Center for Psychoanalytic Training and Research na Universidade de Columbia é uma das mais antigas e prestigiadas instituições dedicadas ao estudo da psicanálise nos EUA. Oferece um extenso programa de formação em psicanálise.
  2. New York University (EUA) – O Postdoctoral Program in Psychotherapy and Psychoanalysis na NYU é um dos mais reconhecidos nos Estados Unidos, permitindo a formação em psicanálise tanto para acadêmicos quanto para profissionais da saúde mental.
  3. The New School for Social Research (EUA) – Com uma tradição forte em psicologia e ciências sociais, a New School em Nova York oferece cursos e pesquisas centradas na psicanálise e em seu impacto social e cultural.
  4. Boston Psychoanalytic Society and Institute (BPSI) (EUA) – Oferece programas de formação para analistas, além de ter uma presença importante na pesquisa e na disseminação da psicanálise em Boston e na Nova Inglaterra.
  5. Institute for Psychoanalytic Training and Research (IPTAR) (EUA) – Localizado em Nova York, o IPTAR é um dos principais institutos independentes de psicanálise nos Estados Unidos, formando analistas e promovendo a pesquisa psicanalítica.

Essas instituições demonstram que a psicanálise continua a ser relevante tanto academicamente quanto clinicamente, e que seu legado está preservado e em expansão. Muitos desses centros colaboram com associações como a International Psychoanalytical Association (IPA), promovendo o estudo e a prática em um nível global.

Haters gonna hate

Odiadores sempre irão odiar. Por esse motivo, muitos Psicólogos, sob influência de professores que odeiam a Psicanálise, muitas vezes apenas repetem o mesmo discurso requentado de décadas atrás. Ignoram estudos sérios que comprovam a eficácia da Psicanálise, estudos que muitas vezes são feitos em milhares de pessoas.

Outros, no desejo de promover sua abordagem preferida, verão a necessidade de atacar a “concorrência”. E ainda outros irão apenas sentir inveja do prestígio que a Psicanálise tem, já que ninguém diz que “Adler explica” ou “Skinner explica”. Mas as pessoas, mesmo sem saber bem quem ele foi, costumam dizer que “Freud explica.” E isso “explica” muita coisa!

Referências:

  • Garfield, S. L. (1996). Some problems with “validated” forms of psychotherapy. Clinical Psychology: Science and Practice, 3(3), 218-229.
  • Leichsenring, F., & Rabung, S. (2011). Long-term psychodynamic psychotherapy in complex mental disorders: Update of a meta-analysis. British Journal of Psychiatry, 199(1), 15-22.
  • Sue, S. (1998). In search of cultural competence in psychotherapy and counseling. American Psychologist, 53(4), 440.
  • Wampold, B. E., & Imel, Z. E. (2015). The Great Psychotherapy Debate: The Evidence for What Makes Psychotherapy Work. Routledge.
  • Westen, D., Novotny, C. M., & Thompson-Brenner, H. (2004). The empirical status of empirically supported psychotherapies: Assumptions, findings, and reporting in controlled clinical trials. Psychological Bulletin, 130(4), 631.
  • Braunstein, N. (2020). The Current State of Psychoanalysis in Society, Culture and the Clinic. European Journal of Psychoanalysis.Shedler, J. (2010).
  • The Efficacy of Psychodynamic Psychotherapy. American Psychologist, 65(2), 98-109.
  • Institute of Psychoanalysis. (2011). Evidence base of Psychoanalytic Psychotherapy

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